A semente do mal
Por Alon Feuerwerker
Blog do Alon
O debate sobre a liberdade de expressão vai de vento em popa na nossa elite política e intelectual. É uma discussão sempre necessária, pois não há democracia sem a plena garantia desse direito básico. Parece haver algum consenso aqui.
Mas ele é só aparente. Acontece algo parecido na reforma tributária e na reforma política: todo mundo é a favor até a coisa enveredar pelo conteúdo das medidas. A partir daí ninguém mais se entende.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva e o PT impulsionam por dois caminhos as discussões e as políticas públicas ligadas ao tema. No primeiro, afirmam ampliar o acesso aos canais de informação, para quem produz ou consome. No segundo, estimulam iniciativas pelo assim chamado controle social da comunicação.
Mas em nenhuma das duas frentes o PT e Lula têm realizações significativas a exibir. Falta vontade numa e força na outra.
A televisão digital engatinha, a banda larga é cara e ruim, a telefonia móvel é caríssima e péssima. O oligopólio estruturado na década de 1990 está aí, inteiraço. Como bom amigo dos ocupantes do poder, não tem razão para se preocupar.
Vide o debate sobre o novo plano nacional de banda larga. O governo vai participar com a rede (se desatar o nó da Eletronet) e as empresas vão “cuidar” dos consumidores. Tem tudo para ser mais um remake do velho filme de terror. Vamos continuar nas mãos do consórcio entre um punhado de empresas (muito) felizes e uma agência reguladora (muito) flexível.
Parecem ter ido para o arquivo morto os planos da estatal que entraria no mercado forçando a elevação na qualidade e o mergulho nos preços cobrados do usuário final. Pelo jeito, foi só mais uma ameaçazinha para assustar a rapaziada.
O governo é assim: aconchega-se junto aos vencedores das privatizações realizadas pelo PSDB e apressa-se na garantia dos interesses deles, enquanto coloca a moçada na rua, bandeira vermelha na mão, para demonizar as privatizações do PSDB.
Eis uma receita eficaz: manter no fogo o palavrório antiprivatista e antimonopolista, para usar a ebulição como moeda de troca política com os donos do dinheiro. E depois reclamam quando os tucanos ficam enciumados.
Chegamos à conexão com a segunda frente. Enquanto mantém intocada a base material nas comunicações, o governo impulsiona todo tipo de barulho pelo controle social da imprensa. Mesmo sabendo que a nossa democracia impede. O país não deseja e não apoiaria um passo assim, e hoje o PT não tem meios para ir por aí.
É impossível fazer o controle a priori da produção e da veiculação jornalísticas. Seria censura, proibida pela Constituição. E a posteriori existe a Justiça, também na forma constitucionalmente determinada.
Mas essa movimentação pelo controle social não é 100% estéril. Ela produz outro resultado, além da intimidação dos intimidáveis. Permite, no campo oposto, que o apologista do pensamento único se autoproclame campeão de uma liberdade de imprensa “seriamente ameaçada”. Bem ele, o habituado a dar voz apenas às próprias ideias, a defender o próprio monopólio e a usar o poder para guerras de extermínio contra quem —e quando— convém.
Se a pessoa não conhece, pode até pensar em comprar.
De saldo, a tristeza de ver como no debate sobre a livre expressão o polemista acaba facilmente arrastado a concluir que ela só existirá, de fato, caso ele próprio tenha o direito inalienável de amputar a liberdade do rival.
É uma tragédia quando os dois lados da polêmica conduzem a discussão por aí. Mesmo sem efeito prático imediato, o esgarçamento acaba plantando a semente do mal.