águas, de Thiago Medeiros
quero engolir algumas palavras
enquanto derrubo garrafas
e o corpo dá choques tremendo de ansiedade
choro na terapia
choro notícias e dias
lavando louça também choro
pelas torneiras e saídas de água
arremesso garrafas cheias de sal nas vidraças de lojas cheias de gente
finco facas nas frutas
querendo engolir palavras
aspirinas
clonazepan
maracujá
enquanto tento enxugar com um pano o choro da torneira e do chuveiro que há dias pinga no chão do banheiro
choro com essas águas tentando engolir palavras e estatísticas
tentando aliviar a saudade do mar que neste dia se fez dentro de casa
choro de saudade
por todos os navios de alças douradas que navegam em um mar de areia sem volta
choro pelo nunca mais e pelo agora
nomes, números
quero revelar esse choro
engasgando palavras
e facas
e torneira e quebradas
choro mais pelas gentes do que pelas coisas
mesmo sabendo que em cada uma dessas coisas que ficam há um pedaço das gentes que se foram
um mar de areia
de choro
sem ar.
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