Anotações em caderno de arame
Não guardo cadernos com folhas delicadas. A vida me ofereceu apenas uns blocos amarelados de papel com espiral em arame, onde derramo as minhas memórias lacunosas e os meus haicais surrealistas, pra lá de milium. Mesmo assim, sigo fazendo anotações de minhas travessias e travessuras, sem deixar jamais de ser o menino que se arvorava em liberdades desembestadas nas esquinas móveis do Barro Vermelho, lá onde ouvira, pela primeira vez, o nome de um poeta, Segundo Wanderley, que ainda dá nome à rua onde vivi por quase trinta anos, eu brincante, desavisado dos riscos que correria ao longo dos muitos dias que se estenderiam até aqui, talvez ainda agora me conduzindo a outras horas colecionadas lá adiante, neste ba(i)rro, nesta terra e noutras, molhadas pelos ventos de agosto, que replicam meus aniversários tardios de leonino. Tudo lá atrás e lá adiante. O que vale é ter coragem de viver isso e mais um bocado. E montar mais peças de tempos e horas. Misturar vida e poesia, pra dar e tirar o sentido das coisas tão triviais.
Nos derradeiros dias, das anotações que fiz aqui nestes cadernos, lembro-me que:
Comoveu-me em demasia o recente lançamento da obra poética de Dorian Gray Caldas, reunida em dois volumes, com título e subtítulo muito fortes e plenos de significados: “Do outro lado da sombra – poesia quase completa”, pela editora do IFRN. Dorian é o maior artista visual vivo do Rio Grande do Norte, um dos maiores de todos os tempos aqui, não deixando de ser também um dos importantes poetas que temos. Agora, a sua obra poética está sistematizada, de maneira a permitir que críticos, estudiosos e amantes da poesia possam compreender melhor a dimensão (ou as dimensões) desse poeta que merece relevo por muitos momentos deste quilate: “Retirem de mim estas luas frias/estas praias desérticas, estes jardins/incendiados./Retirem de mim esta selvática urdidura/de sombras. A vida é um relâmpago.” (“Diante do Mar I”, em “Os Dias Lentos”). Ou deste: “Plataforma de luz/no fim da tarde./Sombras passam sobre o espelho/das águas, barcos ligeiros/(ou lentos) que, ao passar,/duram a eternidade.” (“Luz no Rio”, também de “Os Dias Lentos”). Dorian é a delicadeza de suas aquarelas na sua poesia. E na pessoa. E é a simbiose de todas as belezas. Dorian cresce e se eterniza em sua generosidade de colosso. As artes todas têm nele o grande amante. Dorian sabe delas todas cuidar. Nenhuma lhe falta com os seus carinhos. A nenhuma falta. Por isso, comove-nos assistir às suas cores e tintas e às suas palavras, que nos chegam doces aos ouvidos. Jamais serão esquecidas. Dorian nos faz bem aos olhos, aos ouvidos, à alma que se aplica ao que de humanidades ainda há no mundo. Ele nos faz tão bem. Potiguares e gentes do mundo. Dorian nos faz e nos refaz. E é claro que cabe a comoção de todos diante dessa obra que avança pelo século XXI e pelos que se assomarão.
Preciso adquirir urgentemente a obra poética reunida de Eli Celso (Eli de Araújo). Sou um velho admirador. E soube que está belíssimo o volume da editora Sol Negro. Vou procurar. Vou viver essas emoções. E esse aprendizado.
Gustavo de Castro tem sido um nome importante das letras no Brasil. Recente trabalho em torno da vida e da poesia de Orides Fontella – “O Enigma Orides” (ed. Hedra) – é altamente recomendável. Lembro que o Professor Márcio de Lima Dantas também tem importantes estudos em torno de obras de Orides. E as traduziu para o francês (Tenho aqui “Rosace”, Paris: ed. L’Harmattan, 1999), juntamente com Emmanuel Jaffelin.
O Rio Grande do Norte perdeu, na semana que passou – e que antecipou esse agosto ainda desconhecido – mais um grande nome de suas letras jurídicas e literárias: o Ministro Francisco Fausto, ex-Presidente do TST. Deixa uma lacuna imensa no mundo cultural do RN e do Brasil. Sua obra o pereniza.
Gostei muito da revista “Carcará”, em torno do audiovisual potiguar. A FJA acertou aí também. Como tem acertado com o retorno de “O Galo”. Vale dar prosseguimento a projetos editoriais como esses. E outros. E adorei ver um H.R.Giger na Pinacoteca. Espantou-me. Surpreendeu-me. Tanto quanto o caranguejo-fusca de Guaraci Gabriel.
Aguardarei o debate franco, honesto e aberto dos “prefeitáveis” sobre a Cultura. Já percebi alguns movimentos parciais e pontuais. Estarei atento a esse item essencial para (só a partir daí) realizar a minha escolha, sacramentar o voto vindouro.
Por hoje é sol. São muitas as anotações. Somente passei a limpo estas que trago aqui no bolso. Depois, virei novamente.
Valeu, Oreny. Feliz pela sua leitura!
Beleza de texto, Lívio, anotações em espirais, papiramente!
Abraços!
Grande Anchieta, muito obrigado pela leitura, meu amigo. Originalmente, articulei e numerei os parágrafos desse texto, para ficar mais compreensível. De qualquer forma, tá valendo a colaboração editorial.
Com a partida de Antonio do Vale, Deífilo Gurgel, Tico da Costa , Francisco Fausto, a terrinha das Areias Brancas vai ficando a cada dia mais pobre (CULTURALMENTE). Processo triste, mas, inevitável. Belo texto, meu poetamigo, Lívio Oliveira!