Ao assessor
Fotografia: João Machado
Seu assessor, é verdade…
Nasci num quarto sem cama
Em meio à calamidade
Brincando em poças de lama.
Cresci vendo as brigas feias
Dos caciques das aldeias
Ungidos de estupidez
E deixando isso pra lá
Dum tempo desse pra cá
Vim rir a primeira vez.
Seu assessor, o ano inteiro
Meu pai muito trabalhava,
Mas se eu pedisse dinheiro
Nem querendo dar me dava.
Em vez de eu ir pra escola
Eu ia era jogar bola,
Mas sem dizer a ninguém…
Cresci sem ter um brinquedo
Mas tenho um anel no dedo
Do jeito que o senhor tem.
Seu assessor, todo dia
Num rancho com rachadura
Mãe ouvia cantoria
Com o rádio em toda altura.
Por isso num sonho pleno
Eu sinto desde pequeno
Resquícios de um paraíso,
Por ter, com toda energia,
Os ventos da poesia
Soprando no meu juízo.
Seu assessor, não me atrasa
Só falar de meu gemido…
Por isso só lá em casa
É que eu sou bem conhecido…
Não sou filho de Drummond
Meu verso não é tão bom
Pra seus olhos de pateta,
Porém, se eu fosse o senhor,
Eu não mexia na dor
Do coração de um poeta…
Seu assessor, eu só falo
Do que palpita em meu peito,
Prefiro o cantar de um galo
A seus livros de Direito.
Eu canto o gato na bica
“A sombra da oiticica”,
O couro de um tamborete,
Duas latas num galão
E outras coisas que estão
Além de seu gabinete.
Seu assessor, o meu pai
Só lá com dificuldade,
Mas para os cantos que vai
É levando honestidade.
Mesmo quase analfabeto
Me ensina tudo correto
Para o que preciso for,
Não tem contas na Suíça,
Mas entende de Justiça
Muito mais que o senhor.
Seu assessor, o meu nome
Já corre o sul do país,
Não porque matei quem come
Corda de mão de juiz.
É meu versinho “irrisório”
Que foi no seu escritório
Como um bandido que erra,
Mas hoje, de tão profundo,
Recebe palmas do mundo
Por falar de minha terra.
Seu assessor, o meu rosto
Torra no sol todo dia
Nem parece ter um posto
Nos gênios da Academia.
Eu sou assim meio bruto,
Abestalhado e matuto,
Magrelo da voz gasguita,
Mas alguém, em seu lugar,
Pode um dia lhe falar
Do menino de Estelita.
Seu assessor me perdoe
Por este verso mesquinho!
Que Jesus lhe abençoe!
Cubra de luz seu caminho…!
Se quiser ir lá em casa
Comer um milho na brasa
Vai ser recebido bem…
Terá lençol, rede e fronha
Que gente que tem vergonha
Não discrimina ninguém.
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