Aos setenta
A década dos anos Sessenta começava; início da adolescência, inocência e sonhos. O caminhão de mangaio de seu Tonheiro, apanhado em Olho d’água, levando-me para a primeira janela que o mundo me oferecia, cujos olhos alcançavam, até então, as estepes humildes de Viçosa. E a Serra do Martins, meus Andes possíveis.
A me perguntar, sobre a duração da vida, naquela época, eu me responderia não chegar aos Cinquenta. Dos meus dois pais, o de mesmo e o adotivo, nenhum chegou a essa idade. O que viveu mais, contou quarenta e nove. O outro, quarenta e três.
A primeira janela para o desconhecido foi o alumbramento. Na carroceria do velho mangaieiro, atravessamos a ponte do rio Barra Nova, recepção à entrada de Caicó.
Destino? O Ginásio Diocesano Seridoense, depois denominado Colégio, nome ainda hoje preservado. No GDS a experiência primeira de dormir de cama, ainda hoje prefiro rede. O bebedouro coletivo, com torneiras saindo de uma parede. Ainda hoje prefiro copos. E banho de chuveiro, substituindo a cuia e o tanque. Neste caso, sem saudade dos tanques. Viva o chuveiro.
Cinco anos de internato, onde fiz amizades preservadas até hoje. Muitos desses amigos vejo raramente. Mas estão sempre, vez outra, aboletando-se nos cômodos da memória.
Professores e colegas. Padres e leigos. Um Colégio dirigido por religiosos democratas. E estudiosos. Ali comecei a cultivar o agnosticismo, talvez pelo motivo dessa relação não opressiva. Guardávamos o direito ao livre pensar.
Mantenho por aqueles padres e pelos professores leigos, alguns já falecidos, a deferência suave da gratidão. Uma casa de estudos, orações e descobertas. Um claustro sem paredes e sem grades. A liberdade posta com restrições sem muros.
Depois, foi a Casa do Estudante, em Natal. Tudo completamente diferente, sem muita diferença. Cada um naquele pardieiro era dono dos seus limites. Sob a sombra frondosa de generosas árvores da pequenina Praça, meia ladeira do Paço da Pátria.
E depois o mundo. A luta do movimento estudantil, que a generosidade dos moços cobra e oferece a oportunidade de ser útil. A utilidade de ser contra. Inesgotável capacidade humana de ser humano. Tendo como justificativa a bandeira da liberdade. E quem não se arrisca ao sonho dela, não merece ser livre. Ou será livre devendo uma conta à história. Seja por ter colaborado com a sombra ou por não ter acendido uma chama.
Chego, pois, aos setenta anos. Nunca pensei ser possível. Mas aqui estou e acho muito pouco tempo. Quero mais. Muito mais. Quero ver os amigos envelhecerem comigo. Ver os netos crescerem. Perturbar o sossego das mulecas.
Viver a exuberante geografia do Brasil. A beleza de sua cultura popular. E essa democracia beiçola de tabaco, estabelecida, que se desestabeleça. Por outra Democracia, nunca por outra ditadura. Té mais.
Meus parabéns, François! 70 anos de muitas historias para contar. É isso aí, mestre… A jornada continua… Abraços!!!
QUANDO SETENTÃO.
(When I’m sixty four)
Texto original, em inglês, de John Lennon e Paul McCartney
Versão em português de Marcos Silva.
Quando eu for velho, grisalho então,
Barrigudo ou não,
Será que receberei algum cartão
De Natal, de Páscoa e São João?
Se me atrasar na rua, no bar,
Porta por travar,
Vai me aturar, vai me desejar, não,
Quando setentão?
E você, também,
Bela, continuará
Em meu coração.
Consertos hábeis, fusíveis já
Quando faltar luz;
Tapete, crochê, tricô, bordar demais,
Aos domingos, nadarmos nus;
Jardim cuidado, sem mato e tais,
Quem quererá mais?
Vai-me aturar, vai-me desejar, não,
Quando setentão?
P’ra veranear, sobrado alugar
Na praia, se a grana der.
Poupar e aplicar,
Netos no colo, sim,
Se o bom Deus quiser.
Mande-me cartas, cartões postais,
Telefone assim;
Dê notícias, fale tudo sempre, enfim,
Não esqueça de responder;
Um grande abraço do sempre seu,
Saudações reais;
Vai me aturar, vai me desejar, não,
Quando setentão?