Apologia da arte: onde andam as borboletas?
Temos medo da arte que mostra a pedra grotesca que nos tornamos.
Escultura “O Beijo”, de Auguste Rodin
A atmosfera está pesada. Perdemos a leveza do ser. Vivemos atualmente tempos duros e densos. A sociedade arrasta-se como Sísifo, sentindo o peso de sua imensa rocha empurrada montanha acima.
Em todos os cantos, esmaga-nos o fardo coletivo que carregamos e lançamos uns sobre os outros. Não se trata de dividirmos o volume em vista de aliviar o desconforto coletivo.
Mas de provocar uns nos outros aquilo que sentimos.
Leto sente a densidade e, inchada, reveste-se de camadas superpostas de seda originadas de seu suor. Cobre seu corpo e fecha-se atarantada. Quanto mais pesada se sente, mais e mais densa tornam-se suas roupas. Teme a nudez e inconscientemente foge da leveza.
Assim estamos nós em sociedade.
Tememos a nudez e fugimos da leveza. A arte que nos dispa será execrada. Temos medo, e o nosso medo emana ódio. Não há em nossa geografia a ilha flutuante de Delos que nos dá abrigo e alívio ao fardo que nos oprime.
Estamos encasulados. Tememos a arte que nos dispa ou reflita em seu espelho a grotesca pedra que nos tornamos.
Leto não conheceu o velho feiticeiro, Rodin, que com cinzel nos desnudava, libertando em nós a borboleta.

A beleza é sempre submersa
Com um “beijo”, Rodin desnuda a pedra. Do casulo do mármore evola o corpo nu. Erotismo, paixão e verdade pairam no ar como se sequer fossem concretos.
Diz-nos Rodin que a beleza é sempre submersa, e só a nudez diz a verdade. Só a nudez desfaz a pedra que nos oprime. Não era o homem, a mulher, a natureza o foco, a mira de Rodin. O que ele buscava na pedra, no mármore e no bronze, era o nu. Suas modelos transitavam nuas em seu ateliê. Borboleteavam até encontrar a leveza de ser.

Só então, braços desarmados, pernas abertas, sexo aflorado, transpiravam em flor vinda da pedra. Na forma que nascia, a luz batia, os gestos criavam vida e o corpo pairava em movimentos reais, dinâmicos, alternando leveza e paixão, ternura e drama.
O corpo lançava-se no ar, e o coito era uma dança de luz e sombra.
Arte para amenizar a atmosfera pesada
A atmosfera está pesada. Perdemos a leveza do ser. Vivemos atualmente tempos duros e densos. Leto não conta mais com a magia do feiticeiro. Temendo a arte, retorna a crisálida e, em breve, arrastar-se-á ao chão, negando a borboleta.
É a hora de salvarmo-nos, é a hora de salvar a arte.
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