Caicoense é considerado melhor ator nacional com peça inspirada em Foucault
A horrenda história de um matricídio elevou o nome de Caicó ou do teatro potiguar à mídia nacional esta semana.
E por quê?
Tudo começou quando o dramaturgo e psiquiatra catarinense Gregory Haertel encontrou semelhanças na história real de um assassinato de uma mãe pelo próprio filho, na França, com a realidade da Caicó arcaica do século 19.
O crime foi relatado no livro ‘Eu, Pierre Riviere, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão’, do filósofo francês Michel Foucault. E o fato serviu de base para montagem de um monólogo pela Trapiá Cia Teatral, de Caicó.
A companhia foi fundada em 2014 especialmente para essa encenação. E o projeto deu certo. Não com o pomposo título do livro de Foucault, mas apenas “P’s”.
Gregory Haertel viu no personagem Pierre um drama psicológico universal e adotou apenas o “P” para simbolizar outros tantos com o mesmo conflito existencial vivido na obra literária de Foucault.
E como um monólogo montado por uma companhia teatral caicoense e sem tradição ganharia o Brasil, se os da capital matam leões ao dia para conseguir projeção e poucas vezes conseguem? A peça “P’s” recebeu apoio no edital de circulação de artes cênicas do SESC RN. Foi o trampolim.

Depois entra na história o diretor do espetáculo, Lourival Andrade, conceituado no cenário teatral do Sul e responsável pela inscrição da peça em diversos festivais. Entre tantas participações, como a estreia em Campina Grande ou em festival de São Paulo, conseguiu vaga em um dos mais importantes festivais universitários do Brasil, em Blumenau, que já contou com a participação do Clowns de Shakespeare.
P’s foi aclamada pelo público e recebeu todos os elogios do júri especializado, culminando com a premiação de Melhor Ator na Mostra Nacional para o caicoense Alexandre Muniz e ainda menção honrosa à pesquisa realizada por Gregory Haertel.
MAS QUEM É ALEXANDRE MUNIZ?
Ora, se até me desconheço seria ousado dizer quem é esse sujeito. Mas há alguns fatos e ironias irrefutáveis: ele é caicoense da gema, mas ainda bebê migrou para Catolé do Rocha, na Paraiba onde viveu infância e adolescência.
E aí vem uma mostra da importância e oportunidades oferecidas pela arte. No colégio Normal Francisca Mendes, de Catolé, tinha/tem um teatrinho, e ali um novo mundo se abriu para Alexandre.
Já em Caicó, após aulas paraibanas de teatro escolar, foi aluno do professor Félix, que o convidou, em 1997, para integrar o grupo teatral Retalhos de Vida – “a minha grande escola”.

E qual ironia há nisso?
Pois veja: hoje Alexandre Muniz é o atual diretor do Centro Cultural Adjuto Dias, de sua Caicó. Teatro fechado, palco fechado, oportunidades fechadas para formação de público e continuidade de atividades dos poucos heróis que se aventuram nas artes cênicas.
Mas Alexandre não se cansa. Além da rotina com a Trapiá, mantém seus projetos paralelos junto a crianças de áreas com potencial risco social, sempre levando oficinas de teatros na cidade e região.
“A nossa intenção com a Cia. Trapiá é profissionalizar o teatro na nossa região. Temos grandes artistas e precisamos potencializar essa cena. Em novembro, começamos a montagem de mais um espetáculo escrito pelo dramaturgo Félix. E Lourival já vem organizando um projeto para trazer vários artistas e pesquisadores teatrais para realizar trabalhos com os artistas locais. Em Blumenau ele já fechou com o Renato Ferracine e a professora, atriz e pesquisadora Bya Braga”, adiantou Alexandre.
E de 7 a 14 de agosto a Trapiá levará o espetáculo P’s à Bahia.
O MONÓLOGO
A adaptação da obra de Foucault à uma vila do sertão nordestino prendeu a atenção de 900 espectadores brasileiros, argentinos e chilenos presentes ao Teatro Carlos Gomes, no último dia 10 de julho, durante a 29ª edição do Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau, em Santa Catarina.
O texto sabe como prender a atenção. Já no início o personagem se pergunta o que o levou a assassinar a mãe. E a partir daí vem à tona todo o distúrbio psíquico do personagem, movido por um amor desmedido, e que como toda a obra do filósofo francês, mexe com conceitos e éticas sociais pré-estabelecidos.
Tudo em um cenário de seca insólita, típica do nosso sertão nordestino, montado por Custódio Jacinto. E ainda trilha sonora composta pelo maestro Aglailson França e executada por Emanuel Bonequeiro, com sons que remetem a pássaros e em comunhão com a história, quando o personagem mata passarinhos ainda criança.
UMAS DELONGAS
Importante lembrar que também este ano tivemos o ator José Neto Barbosa, nascido em Santo Antônio do Salto da Onça, consagrado Melhor Ator do Teatro Nacional, pela Academia de Artes no Teatro do Brasil, desbancando nomes como o consagrado Ary Fontoura e outros atores da cena nacional. Ver mais AQUI.
Bem, sem dúvida, o Seridó no cenário nacional. Faço apenas uma ressalva nas palavras de Lourival. Não é comum o marricídio na região. Desculpe-me se tiver pesquisa que confirme essa tese.
Alexandre, a frente do Centro Cultural, não se intimidou com o teatro fechado. Ele inaugurou o Terreiro das Artes, com apresentações culturais na área externa do teatro.
(Prometo que darei um tempo nos comentários, pessoal).
Edjane, não suma não! rs