Conversas com João Almino
Eleito na última quarta-feira (08) como novo imortal da Academia Brasileira de Letras, mossoroense João Almino fala nesta entrevista sobre movimentos populares, hiperconectividade, como separar ficção de fatos históricos e o papel da literatura na contemporaneidade.
Um potiguar entre os mestres da literatura brasileira

Seis meses depois de o jornalista Manoel da Costa Pinto publicar na Folha de São Paulo que o livro Enigmas da Primavera, último livro do escritor mossoroense João Almino, era “a primeira obra de peso da literatura brasileira a discutir os movimentos políticos dos últimos anos”, me encontro com o autor na Feira do Livro de Mossoró.
Dia 7 de novembro, início da noite, ele estava reencontrando alguns parentes, me lembro de duas senhoras, em um contexto de tranquilidade já que poucos sabiam quem ele era. Simpático, falou comigo recordando uma entrevista que havia feito com ele em 2011, por e-mail, quando estava entre os 10 do prêmio Jabuti.
Entreguei-lhe meus livros de poemas e pedi para entrevistá-lo. Prontamente fui atendido, assim como tinha acontecido quatro anos antes. O tempo era curto até que ele fosse chamado como atração principal da Feira e eu me ative a falar do seu último livro – Enigmas da Primavera.
A conversa foi rápida, cerca de 10 minutos, tempo suficiente apenas para três perguntas, mas que renderam respostas muito significativas não apenas sobre a obra questionada, mas sobre a percepção do autor sobre os novos fenômenos em curso.
A entrevista ficou inédita por motivos outros e só agora, com a eleição de Almino para a Academia Brasileira de Letras, é que houve motivos para publicá-la.
João, em Enigmas da Primavera, nome do seu último livro, você aborda um contexto de transformações no mundo considerando fatos recentes como os movimentos populares de rua e sua relação com a hiperconectividade. Escrever sobre a contemporaneidade é um desafio enorme, então como separar o texto ficcional de fatos recentes com a pesquisa histórica e o jornalismo?
Eu sempre acho que a ficção tem que ter sua linguagem própria, que é uma linguagem diferente daquela linguagem do historiador ou a linguagem do jornalista, ambas linguagens igualmente importantes. No caso do jornalista, ele tem que estar comprometido com uma certa urgência, com a contemporaneidade.
O historiador, por sua vez, tem um compromisso com uma espécie de verdade a mais longo prazo. E o ficcionista pode ter uma liberdade maior e pode, sobretudo, se preocupar com as emoções dos personagens de cada momento histórico.
Então, nesse livro, procurei retratar o que ocorria não apenas no Brasil, mas, eu diria, em alguns lugares do mundo, durante um determinado período. A minha preocupação era tentar exprimir, através da literatura, o surgimento de uma série de movimentos de jovens e ao mesmo tempo refletir sobre o próprio jovem nesse mundo contemporâneo. Um mundo, que de certa forma, leva a uma certa insegurança maior do que no passado, mas talvez também uma maior liberdade para estes jovens que têm um traço muito característico que é esse das comunicações através das redes sociais, em que os próprios fatos políticos, às vezes, são declanchados através deste novo sistema de comunicações.

Então, o que eu tentei fazer? Primeiro criar um personagem central muito jovem com um grupo de amigos muito jovens. Esse personagem permanentemente ligado nas redes sociais e podendo acompanhar alguns desses movimentos que surgiram em uma determinada época. Por exemplo: eles saem do Brasil e vão para a Espanha e o momento da chegada coincide com o “movimento dos indignados”.
Também nesta mesma época, existe aquele movimento no Oriente Médio, a “Primavera Árabe”. A história termina, na verdade, no Brasil quando ocorrem aquelas manifestações de 2013. Mas movimentos desse tipo pipocaram em vários lugares, quer dizer: nos Estados Unidos houve o “Occupy Wall Street”, houve movimentos na Turquia, houve no Chile; eles são muito diferentes entre si, mas têm alguma coisa em comum. Então, um dos traços em comum é que eles foram declanchados através das redes sociais.
Outro traço em comum é que nenhum deles foi iniciado através, digamos, da sociedade organizada: não foram movimentos iniciados por partidos políticos, por sindicatos, por exemplo. Outro traço é que todos eles buscaram uma certa horizontalidade, em vez de destacarem as lideranças dos movimentos. Eles procuraram, na verdade, frisar que eram movimentos absolutamente igualitários e horizontais entre seus membros.
Então, esses são alguns traços que a gente pode dizer que são comuns. Na substância, eles são diferentes e levaram também a resultados muitos diferentes. Alguns deles surgiram com a mesma rapidez com que desapareceram. Outros duraram um pouco mais. Alguns levaram a mudanças democráticas nos países em que iniciaram, outros, pelas reações provocadas levaram, ao contrário, a ditaduras; outros ainda se esvaíram e pode ser que não tenham acabado definitivamente, porque tudo depende da memória da sociedade que pode recuperar as experiências do passado.

Alguns pensadores, até escritores, dizem que a literatura está esquecendo de olhar através de sua janela para continuar publicando o passado. Este seu último trabalho desconstrói essa teoria?
Olha, eu acho que na linguagem da ficção eu não deveria estar muito imerso na atualidade do ponto de vista, digamos, da valoração dos fenômenos políticos contemporâneos. Eu não deveria, digamos, tomar partido, inclusive. Não sei se consigo ou não, mas é, digamos, a minha concepção do papel do ficcionista.
Mas, por exemplo: Flaubert tratou da revolução de 1848, na França, mas o tratamento que foi dado por ele à revolução de 1848, faz com que o livro Educação Sentimental possa ser lido hoje da mesma forma que foi lido há 160 anos atrás e, talvez, possa ser lido da mesma forma, ou até de maneira mais rica, dentro de mais 100 anos ou 200 anos.
Então, eu acho que o ficcionista tem de ter um cuidado muito grande ao retratar o presente. Por isso, se eu tivesse opiniões políticas muito fortes sobre o que está acontecendo no presente, eu não deveria retratar essas opiniões enquanto ficcionista. Eu posso até ter opiniões, mas elas nada têm a ver com a minha escrita de ficção.
Na escrita de ficção eu procuro exprimir, digamos, as várias tendências que eu consigo perceber naquele momento presente; procuro exprimir, digamos, as emoções, as mais diversas, daqueles que estão envolvidas nos processos contemporâneos e procuro, na medida em que isso seja possível, me distanciar ao máximo desse presente de tal forma que aquilo que eu venha escrever, eu espero, possa continuar sendo lido, anos depois.
As críticas de sua obra mostram a força que sua literatura exerce nas pessoas. Algumas críticas chegaram a comparar o seu O livro das emoções (2001) com o Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago. O jornal Rascunho publicou que o seu Cidade Livre (2010) era “quase perfeito”. Como você recebe essas críticas?
Eu fico muito contente com essas opiniões porque eu sempre acho que o melhor livro é o mais recente e eu espero que continue assim.
João Almino na Academia Brasileira de Letras
Em 2014, João Almino havia desistido de concorrer a cadeira 37 do poeta e tradutor Ivan Junqueira, morto em julho daquele ano. Na ocasião, foi eleito o poeta Ferreira Gullar, agora também falecido.
Com a morte do cirurgião plástico Ivo Pitanguy, outra vaga foi aberta e, curiosamente os concorrentes – o poeta Antônio Cícero e o ex-ministro da Cultura, Francisco Weffort – não alcançaram a maioria simples de votos e, por isso, não houve vencedor.
Parecia então que a vaga estava predestinada ao mossoroense João Almino que, sempre muito organizado, deixou para movimentar-se no momento certo. Culto e muito elegante, fez uma campanha bem eficiente e acabou obtendo 30 dos 33 votos válidos.
João Almino é o primeiro mossoroense a integrar a Academia Brasileira de Letras (ABL), ocupando agora a vaga 22 que já foi ocupada por José Bonifácio, Medeiros e Albuquerque, Miguel Osório de Almeida, Luís Viana Filho e Ivo Pitanguy.
Mas quem é João Almino?
Texto originalmente publicado na Revista Contexto em 2011.
Nascido em 1950 em Mossoró, o escritor e diplomata João Almino explicou [em conversa comigo em novembro de 2011] que a sua relação com Mossoró tem sido apenas através da memória.
“Mossoró ainda está muito presente para mim. Parte de minha família ainda mora aí, bem como em outras cidades do estado, como Pau dos Ferros, Luis Gomes, São Miguel, em Natal ou ainda no Ceará, especialmente nas localidades de Iracema, Ereré e Pereiro. Meus irmãos, que moram em Fortaleza (eu fui o único a sair), mantêm muito contato com Mossoró e com os familiares no Rio Grande do Norte. Como saí, vivendo uma grande parte de minha vida no exterior, não tive a mesma oportunidade de manter esse contato”, explica.

João Almino saiu de Mossoró aos 12 anos, após a morte do pai, para viver em Mondubim, nos arredores de Fortaleza (CE), tendo apenas uma vaga ideia de que queria ser arquiteto ou engenheiro quando crescesse.
Porém, seis meses antes de se submeter ao vestibular de engenharia, para o qual havia se preparado, entrou em crise, fez teste vocacional (que pouco o ajudou) e, finalmente, resolveu dar uma guinada: fazer os vestibulares de Direito e de Administração, já pensando em se preparar para o exame do Instituto Rio Branco, órgão responsável pela seleção e treinamento dos diplomatas brasileiros.
Na época, o exame não era aplicado em Fortaleza, por isso, transferiu seu curso de Direito para o Rio de Janeiro e lá fez o exame. Desde então, tem uma vida cigana.
Doutorou-se em Paris, orientado pelo filósofo Claude Lefort, e ensinou na Universidade Autônoma do México (UNAM), Universidade de Brasília (UnB), Instituto Rio Branco, Berkeley, Stanford e Universidade de Chicago.
Esteve em Mossoró em 2003, quando ganhou o prêmio Casa de las Américas pelo romance As Cinco Estações do Amor.
“Recebi convite para uma visita a Natal e a Mossoró, ocasião em que fiz lançamento do livro e tive a oportunidade de me encontrar com várias centenas de conterrâneos”, disse.
Para ele foi, ao mesmo tempo, um choque e uma alegria rever a cidade da infância. “Um choque porque a casa onde morei já não existia, e minha rua, a Dionísio Filgueira, como era de se esperar, nada mais tinha que ver com a imagem que eu fazia dela. E uma alegria, porque, apesar disso, eu me sentia como retornando a casa, sobretudo pelo afeto com que fui cercado”.
Na ocasião, João Almino proferiu aula magna na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Depois disso, só retornou a sua cidade natal em 2015, como convidado da Feira do Livro de Mossoró.
Embora siga o caminho de muitos escritores diplomatas, como Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Ribeiro Couto, Graça Aranha e outros, discorda que sua vida seja parecida com a deles.
“Pode haver certamente afinidades, mas não existe uma uniformidade nem na escrita, nem na vida dos escritores que seja definida por suas atividades profissionais, sejam eles diplomatas, jornalistas, médicos, professores universitários ou dedicados exclusivamente às suas atividades literárias”, afirma.
A literatura de João Almino nasce com a identificação do mundo, ainda menino, por um letramento de imagens. O seu desejo de escrever é tão precoce quanto tudo em sua vida, tanto que, aos dez anos de idade, pensava estar escrevendo um livro. Num caderninho de escola, encheu algumas dezenas de páginas, sempre elogiadas pelo pai.
Sendo o filho mais novo, também foi importante o estímulo que recebeu da irmã mais velha, Salete, sua primeira professora, ainda antes que aceitasse frequentar a escola.
Como se recusava a ir à sala de aula, aprendeu a ler em casa e só quis entrar no grupo escolar público já no segundo ano, tendo como professora esta mesma irmã.
“Depois me mudei para uma escola particular, a da Dona Maria Clotilde, onde, numa única sala, estávamos juntos os alunos de todas as séries do curso primário”, completa.
João Almino parte da premissa de que a boa linguagem literária deve ser universal. “Mas o universal não é uma abstração fora do tempo e do espaço”, explica, esperando que a sua literatura de alguma forma dialogue com os movimentos da história; com as tensões do mundo moderno e, ao mesmo tempo, reflita um sentimento íntimo que não pode, em alguma medida, deixar de ser brasileiro e nordestino.
“Mesmo as criações de uma pequena aldeia isolada podem aspirar à universalidade”, completo, parafraseando Tolstoi.
Obras do autor
Ficção:
– Ideias para Onde Passar o Fim do Mundo (1987) – Prêmio do Instituto Nacional do Livro/ Prêmio Candango de Literatura;
– Samba-Enredo (1994) – Prêmio Casa de las Américas 2003;
– As Cinco Estações do Amor (2001);
– O Livro das Emoções (2008) – finalista do 7º Prêmio Portugal Telecom de Literatura 2009 e finalista do 6º Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon de Literatura 2009;
– Cidade Livre (2010) – Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon de Literatura, 2011/ finalista do Prêmio Portugal Telecom de Literatura 2011/ finalista do prêmio Jabuti 2011;
– Enigmas da Primavera (2015).
Não-Ficção:
– Os Democratas Autoritários (1980).
– A Idade do Presente (1985).
– Era uma Vez uma Constituinte (1985).
– O Segredo e a Informação (1986).
– Brasil/EUA, Balanço Poético (1997).
– Literatura Brasileira e Portuguesa Ano 2000 (org. com Arnaldo Saraiva),
– Rio Branco, a América do Sul e Modernização do Brasil (org. com Carlos Henrique Cardim) (2002).
– Naturezas Mortas – A Filosofia Política do Ecologismo (2004).
– Escrita em Contraponto: Ensaios Literários (2008).
– O diabrete angélico e o pavão: Enredo e amor possíveis em Brás Cubas (2009).
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