Entende agora minha situação?
Tem uma sujeita na minha cola que tá me deixando doida…
Eu tô lá plena no enredo e ela vem toda autoritária dizer que não se usa vírgula antes de etc. Eu tô na maior alegria trabalhando a narrativa e ela diz que ao invés de pontuar os diálogos com travessão, eu tasquei meia-risca em tudo. “Tem que trocar um por um”.
A personagem tá indignada perguntando PORQUE e ela ri na minha cara, sabe por que? “Porque”, explica a sabichona, “os porquês são escritos de maneiras diferentes dependendo do caso”. A personagem desesperada e a insensível implicando com a ortografia, puts!
Pior, é que a fulana corre em bando e tem umas pariceiras que só Deus: a tal da próclise não me deixa em paz. A ênclise? Vive castigando-me. A mesóclise, metida a erudita, ainda ironiza: desenhar-te-ei a regra. Ah, cretinas!
Quando a mandona começa a ensinar como se escrevem as palavras, aí eu me dano de vez: eu quero lá saber se muçarela se escreve com ç? Eu nem como queijo! Quero é saber do conflito, do beijo apaixonado; quero saber da gargalhada que o palhaço Pipoca provocou na bailarina entediada naquele circo pobre no fim do mundo.
Larga do meu pé! Não tem mais o que fazer? Mete o bedelho em tudo, até no que não te compete? Fica me caningando pra terminar o conto dizendo que história curta tem que acabar logo. Implica com meus poemas chamando minhas rimas de pobres. Quer rima rica pede para o Álvares de Azevedo que nasceu em berço de ouro!
Você não compreenderia minhas lutas. Nada sabe do lugar de onde eu venho. Tu chega com a norma urbana de prestígio, eu trago minha história de vida. Tuas regras não dão conta dos meus anseios. Só eu sei o que se passa aqui dentro. Não posso submeter meu mundo a você, senhora Gramática da Língua Portuguesa.
Não é que eu te despreze. Acho que tenho é medo de você. Também… já chega impondo as coisas, dizendo que é assim e assado. Não procura conquistar, não busca o diálogo. Simpatia zero. Zero solidariedade. Perto das tuas regras difíceis e contraditórias, eu me sinto menos. Sinto que desapareço.
Você, por acaso, é a palmatória do mundo? Você sabe de tudo?
Então me responda… o que é farnizim?
Calou-se, né? Hum… eu vou te ajudar.
É o mesmo que agonia.
Entende agora a minha situação?
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