Frances Ha, de Victor H. Azevedo
Pouso uma margarida na xícara com café.
O corpo se solve brando: pétalas desmancham,
— que nem véus num afogamento,
enchendo os pulmões da sutileza, e pesando,
pesando, pesando como um abraço amargo.
Resta então a medula, a infraestrutura da flor.
Seu corpo, agora urdidura encharcada,
não se queixa: boia somente, sem alegria,
sem incorporar-se a tintura do café
ou a porcelana da xícara, sem dançar
Modern Love no meio de uma rua.
Resta o coração de pólen, herdeiro do malmequer.
Com a colherinha, resgato a margarida.
As pétalas são braços despencados,
E as entranhas vegetais, cordas desenforcadas.
Pouso-a no prato de sobremesa.
Indexo o cadáver da flor na memória
para caber num poema futuro.
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