Lei Rouanet: o mecanismo que uniu esquerda e coxinhas em torno da mamata
O cenário para abertura de CPI da Lei Rouanet está montado. Nesta quarta deve ser protocolado na Secretaria Geral da Mesa da Câmara dos Deputados o requerimento para tal. Eram necessárias 171 assinaturas (que número mais simbólico, não?) e o deputado Alberto Fraga, do DEMo, conseguiu 202, até esta terça.
Com o “resgate” do setor cultural ao status de Ministério e uma auditoria severa na Lei Rouanet, prevejo dias melhores para a pasta. Ou pelo menos um campo mais arado para um futuro de finanças em dia. Construir as bases para o estímulo cultural onde há carência até de dignidade, onde a água nem a mídia chegam.
Instalada a CPI, o brasileiro recuperará uma centena de milhões anuais usurpados do seu bolso para bancar Rock in Rio, videoclipes poéticos de Maria Bethânia, turnê e DVDs de Cláudia Leite… uma lista enorme de artistas consagrados, que inclui até Bancos privados e livro de receitas da filha da proprietária da rede de lojas Magazine Luiza.
Uma renúncia anual de aproximadamente R$ 120 milhões para alimentar artista pelego em troca da logomarca empresarial estampada em balões nos shows, espetáculos ou encartes de DVDs pagos, em maioria. É a cultura produto. A cultura distante do pobre. Ou você imaginou aquela criança sem energia elétrica em casa curtindo Coldplay no Rock in Rio?
Com a Lei Rouanet, ganha o artista rico, ganha o megaempresário, ganha o fã do Iron Maiden que colocou o sétimo show da banda no currículo, ganha o fã clube de Humberto Gessinger com o DVD comemorativo dos seus 50 anos, ganha a mídia e o culto à celebridade. Perde o Brasil mais pobre, perde a infância brasileira, que chega sem educação e inculta aos tantos institutos federais inaugurados. Perde a arte.
Parece contraditório artistas da esquerda defenderem o atual modelo da Lei. Um mecanismo baseado no mecenato, no mais valia, no capital. A luta pela volta do MinC uniu progressistas e conservadores em prol dos milhões da Lei. E lá estavam no mesmo palanque Regina Duarte e Paulo Betti, ambos já beneficiados pela mamata.
Não, artistas não são vagabundos, oportunistas ou aproveitadores. Artistas merecem um respeito talvez tão inacessível aos ignorantes das redes antissociais quanto o bem cultural das comunidades (coincidência?). Há em curso uma crescente massa alienada alheia à luta diária dos artistas do dia-a-dia, que não são as estrelas semanais do Faustão. Uma massa de ricos e pobres derramados no mundo publicizado.
O fim/volta do MinC foi excelente. Mostrou a força e união da classe artística, escancarou globais e músicos beneficiados com a mamata da Lei em grupos de whatsapp, armou uma CPI para fiscalizar a Lei Rouanet e colocou a cultura em pauta no noticiário. Mas eu me pergunto: a Lei tem 24 anos. Por que só agora?
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