Pílulas para o Silêncio (Parte LVII)
Espanta-te…
Espanta-te do riso sem graça, da gargalhada sem sentido nem piada, do colo úmido e frio, da noite sem sonho nem vira-latas, dos vira-latas que nunca uivaram no desvão da madrugada, do mundo muito sério e racional, do futuro por demais antevisto, do previsto sempre presente e nunca ausente, da coivara sem fumos de cinza, do cinza sem o rosto da queimada, do homem que acredita em tudo que o oprime, da mulher sem perfume nem flor nos lábios, da peça sem a marca do criador, do criador sem a peça (in)criada, da menina que nunca teve os olhos aflitos, dos olhos machos que nunca tiveram uma menina no entremeio de cada olhada, do inverno sem a ameaça do verão, do verão sem o cinzel da invernada.
Espanta-te, enfim, com tudo isso e mais um pouco. Só não te espantes de seres aquele a quem sempre procuram com espanto por detrás da cortina já baixada.
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Renuncio ao gozo da carne se fornicares entre as pernas do espírito, arrancando um fiapo de prazer no coito do vazio com o nada.
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Ele só deu ouvidos aos sentidos quando se viu frente a frente com a morte e sua fria racionalidade.
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A picardia na literatura é como remédio; se exagerares na dose, o veneno da troça mata a graça da página.
Belas pílulas.
Belo texto, Clauder!
e belas reflexões!
Um abraço,
Sueleide