Pílulas para o Silêncio (Parte LX)
“E na mesa do meu quarto sou menos reles, empregado e
anônimo, escrevo palavras como a salvação da alma…”
(Fernando Pessoa, em Livro do Desassossego)
Eu e meus outros eus
No sonho, a lembrança do meu eu de antigamente. Brincalhão, amigo do folguedo e das risadas; atraído pelo brilho do amanhã, fiz-me confesso admirador do que ainda poderia advir-me.
Ao acordar, submerso na rua dos compromissos, a trocar confidências com minhas vicissitudes, a ponderar entre a segurança dos cobres, das posses e a patuscada de outros eus, meti-me pela esquina do espelho do agora, e quase não vislumbrava o espectro de mais nada.
Ao percorrer as avenidas do outono da tarde, entre drapejo de lamentos e acoito de omissão, flagrei-me novamente vazio de mim. Palhaço vestido de angústias. Entre o vácuo de meus eus e outros ajudantes de guarda-nadas.
No ocaso de tudo, inútil, quedei. Só, tão só; voltando, com insistência, a devanear — círculo vicioso e virtuoso — como o feitio de antigamente. Eu e meus outros eus.
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Só se diz bem, quando nada se pretende dizer. A ilusão da exata biografia borra as tintas.
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O pensamento tem ares de liberdade, e fumos de arrivista ilusão.
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Há madrugadas em que o silêncio engole, placidamente, a carne do espírito da noite.
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