POETA DA SEMANA: Carmen Vasconcelos
Carmen Vasconcelos nasceu em Angicos e mora em Natal. Graduou-se em Serviço Social e Direito pela UFRN. É mestre em Direito Constitucional também pela UFRN. Mas conserva beleza e poesia no corpo de 51 anos. A paixão pela literatura começou na infância. A reverência aos versos é instintiva. Publicou os livros de poemas O Caos no Corpo (Editora Ideia), de 2010; Destempo (Fundação José Augusto), de 2002; e Chuva Ácida (Fundação José Augusto), de 2000. Publicou também Uma noite entre mil (Editora Ideia), com textos em prosa, no ano de 2015. Carmen Vasconcelos é nossa POETA DA SEMANA:
Os anjos não têm joelhos
Os anjos não têm joelhos.
Sua devoção não se curva como a nossa.
Seu amor é sempre ereto, sua nudez
suntuosa sustenta nossa libido.
Mas nosso êxtase transborda escassez:
gozamos porque somos nada
e voltamos a querer gozar.
Para os anjos, o gozo é outro. Seu orgasmo
os dissolve no eterno.
Quanto a nós, não conhecemos eternidade,
senão a que arrancamos dos agoras.
Nem nos podemos dissolver.
Os anjos são feitos de arribações.
Nós ficamos. À deriva ou à vossa mercê.
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Litania
Com uma longínqua litania
cantada em uma língua incompreensível,
um pastor tardio
tange seu rebanho à casa.
A tardinha apascentada adormeceu
no sopé do outeiro.
É noite.
Minha tristeza está depondo estrelas.
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Corujas
Belo é não ter pátria.
Morar em entrecascas, por aí…
Porém, se te recordo, terra remota,
é ao meu coração que retorno.
E não me é dado dilapidar distâncias.
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O sino misterioso
Muito acima das fadigas,
em cantos não avistados,
badalam as sinas.
Somos desejo do destino,
esse manancial de sons
que nos cria e nos desaba
em céus de ludíbrio.
Somos constelações de murmúrios,
vontades expostas na língua dos anjos:
às vezes mel, às vezes catástrofe.
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O espelho
A Machado de Assis
Da enxurrada de máscaras abatidas
no desfile das solidões do próximo tempo,
uma restou, e era a tua cara
perdida de si mesmo
no nicho entre a calçada e o asfalto.
Quem disse que deslizarias ileso
da trama de tua aparência?
Cada vez tens menos nome
e mais sobrenomes, sobrecargas:
chamam-te cargos, carros, casas,
patentes e ordenados.
O pai, o filho, o irmão de alguém.
E tu, o outro, espírito gasto
com atavios e pompas,
vais esquecendo quem nasceu primeiro,
qual de vós ainda vale a pena.
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O êxtase de Santa Teresa
A Maria Montezuma
Não me julguem pelos milagres que perpetro,
não me imputem altares.
Celebrem! Eu gozo setas envenenadas de amor,
foi a sabedoria que feriu meu corpo.
Não me convertam em santa,
estou tonta de absinto,
não tenho cheiro de martírio.
Meu coração é humanamente eterno,
meu sangue alegre está regando um anjo.
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Confessionário
… Mas o clitóris me exime
de ter amargura, padre,
o clitóris esconjura a inveja
do falo, doutor.
O clitóris exala voos
e me regressa aos arcanos
que brincavam no coração
da menina mal-ouvida.
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O quarto dos pais
Os móveis debruçavam-se
uns sobre os outros
e até para a esguia escuridão
era difícil mover-se entre eles.
Nasci naquele quarto,
sob o signo do apego.
Até hoje me perco
quando me afasto.
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FOTO: JOHN NASCIMENTO
Tenho amigos muito generosos. Talvez o espírito natalino lhes esteja tocando. Grata e abraços.
Carmen Vasconcelos talvez seja a melhor poeta da nova geração, (início do sec. XXI), ao lado de Anchella Monte e Rizolete Fernandes.
(Me referindo as poetas da capital)
Ela bem que poderia se candidatar a uma cadeira na Academia.
Não que isso vá mudar a vida dela. Mas, com certeza a Academia , e os pesquisadores, iriam agradecer muito no futuro.
Candidatura que conta com o meu total apoio. Grande poeta e figura humana.
Carmem é musa e nós Dom Josés aa dançar os passos de uma seguidilla.
Seus temas são densos e falam sobretudo do amor na vida, na filosofia, na mitologia e na poesia.
Porque o amor é o amor.
E “ amor vem de amor” .
E une o que estava solto
O amor é agulha, é sutura, o amor une dois lados, dois seres, dois mundos. É o uno de dois.” C. Vasconcelos
João da Mata
Pensadora