Saiba como foi o show do Boca Livre em Natal
“Corra, não pare, não pense demais”.
Os versos de Caravana, de Geraldo Azevedo, soam largos e verdadeiros na voz de Zé Renato.
É só nessa hora, assim, feito mistério, que se percebe a gravidade do que se passa sob as luzes do imponente Teatro Riachuelo.
A introdução em voz solo, sem acompanhamento harmônico, dá a dimensão e justifica o batismo.
É Livre, a Boca.
Foi na noite do último sábado (09) que a capital potiguar recebeu o show Amizade, do quarteto vocal Boca Livre.
Maurício Maestro, Lourenço Baêta e David Tygel, como numa soma indivisível, juntaram por aqui seus lirismos particulares à voz angelical do já citado Zé, formando um amálgama raro que presenteou por quase duas horas o bom público presente.
No palco, uma pluralidade de essências deu o tom do repertório escolhido para a turnê – o grupo excursiona pelo Nordeste sem banda de apoio.
São apenas as quatro vozes acompanhadas por violões, viola de dez cordas, contrabaixo e flauta.
O formato intimista configura casamento perfeito com o setlist, que mescla clássicos autorais, standards da MPB e composições universais.
Caminhando com naturalidade entre pérolas singelas como Mistérios, parceria de Joyce com Maurício Maestro, e a autêntica atmosfera brejeira de Quem tem a viola, que abre o primeiro disco do grupo, a apresentação transcorreu impecável.
Além do cancioneiro autoral, os quatro músicos ainda executaram arranjos originais para clássicos como I Need You, do beatle George Harrison, e a intrincada First Circle, do guitarrista norte-americano Pat Metheny.
O afinadíssimo desfile de melodias surpreendia a cada número apresentado pela precisão milimétrica no alcance das notas, mesmo as mais exigentes. Paradoxalmente, tamanha exatidão jamais soou mecânica – o que talvez seja a qualidade mais difícil de se alcançar, dentre todas listadas.

As quase quatro décadas de entrosamento – dê-se o justo desconto a algumas mudanças pontuais de formação – transparecem ao público em uma profunda intimidade entre os quatro crooners, cada um com seu registro particular.
É inevitável cair no clichê: são partes do mesmo todo, indubitavelmente.
A apresentação, fluida, reuniu sucessos de várias fases da carreira do grupo, sempre entremeados por histórias pitorescas e causos.
Entre as lembranças trazidas à tona esteve uma passagem por Natal que acabou se tornando o primeiro show “oficial” do Boca Livre.
À época, conforme lembrou Maurício Maestro, eles acompanhavam o compositor Edu Lobo em turnê nacional pelo Projeto Pixinguinha e surgiu um contrato de última hora.
“Nós fomos convidados meio que de supetão pelo pessoal da universidade e aceitamos – mas só tínhamos quatro músicas ensaiadas! O interessante é que isso nos forçou a adotar uma dinâmica que acabou sendo a tônica do nosso trabalho por um bom tempo, com momentos solo de cada integrante no decorrer das apresentações”, explicou.
Toada, o maior sucesso, veio sem aviso, sem cerimônia. Ao som dos primeiros acordes, a plateia somou um bonito coral às harmonias de Zé, David, Maurício e Lourenço. Belíssimo momento.
Ao final do repertório, após breve e protocolar saída do palco, voltaram os quatro para o bis. Sem muitas delongas, Ponta de Areia, de Milton Nascimento e Fernando Brant, encheu o teatro apenas com vocais, sem qualquer acompanhamento instrumental. E nem precisava, mesmo.
Faz-se necessário destacar a estrutura do Teatro Riachuelo, que contribuiu positivamente para a experiência de assistir a um show como o do Boca Livre, em que qualquer detalhe perdido configura falta grave.
Som absolutamente cristalino e uma iluminação simples, mas eficiente e de bom gosto, garantiram a perfeita degustação do harmonioso banquete melódico.
Resta, agora, aguardar pela próxima turnê nordestina. E que os velhos amigos voltem sempre à nossa casa.
Só não lamento mais porque estivemos no TCP, ouvindo Zé Dias contando a história da música brasileira versão potiguar. Foi muito interessante, e delicioso ouvir o nosso pessoal, como Isac Galvão, Dodora Cardoso, Tertuliano Aires, Fernanda Azevedo, Nara Costa e a turma de corda e percussão, passeando pela música através das décadas e estilos. Muito bom mesmo. Mas queria ouvir também o Boca Livre!
Acho incrível o Boca Livre, harmonias e letras que sempre tocam em minha mente. Não soube do show, sabendo agora.