Sobre ser fácil
Hoje em dia, há certa abertura para uma mulher viver seus desejos livremente. Entretanto, mesmo com certa flexibilidade, aquela que leva à prática sua liberdade sexual ainda é rotulada como uma indigna que ‘não se dá ao respeito’.
Fotografia de capa: Dina Santos
O Dia Internacional da Mulher passou e eu não dei um pio sobre ser mulher nos dias de hoje. Ainda ensaiei textão no Facebook, mas a faceta machista da cria de Zuckerberg, malandramente, tolheu minhas palavras. Todavia, não bugou meu pensamento, e, eis-me aqui, viçando pra falar sobre o assunto.
Não me arvoro a falar sobre questões mais coletivas, embora eu sempre as pincele, uma vez que falo a meu próprio respeito, individualidade imersa no caldeirão das identidades.
E pra falar sobre ser mulher, fiz um recorte que muito me instiga, uma vez que reflete meu modo de ser e estar no mundo; mas que também faz parte do cotidiano de muitas iguais a mim, em cujos comportamentos a sociedade insiste em meter e apontar o dedo. (Miga, péra lá, que o buraco aqui é mais em cima e mais embaixo!).
Falo sobre ‘ser fácil’. E se engana quem pensa que estou aqui pra falar ‘apenas’ de liberdade sexual. O buraco também é em cima. Mas, comecemos com o debaixo.

Lealdade com desejos
Sim, as mulheres podem ser livres. Sim, as mulheres podem transar no primeiro encontro. Sim, as mulheres podem sentir prazer e não se envolver afetivamente com o parceiro. Sim. SIM.
Não estou inventando a roda, na medida em que vivencio ou discuto o assunto. Apesar dos freios que a sociedade patriarcal tenta nos impor, desde sempre as mulheres – pois que são humanas e possuem desejos naturais – são impelidas a buscar o prazer, ainda que sufocadas no cotidiano, recolhendo-se nas alcovas ou perpetuando discursos machistas. A natureza está lá/aqui, e é inegável.
Hoje em dia, há certa abertura para que a mulher viva seus desejos livremente. Entretanto, mesmo com certa flexibilidade, aquela que leva à prática sua liberdade sexual ainda é rotulada como ‘fácil’, pessoa que ‘não se dá ao respeito’, ‘descartável’; em outros termos, puta, vadia.
Se ser leal aos meus desejos e possuir limites de moralidade parcialmente incompatíveis com aqueles propagados pelo código social vigente é ser vadia, então, perdoe-me, mas EU SOU UMA VADIA.
Se ter um comportamento condizente com os meus anseios, capaz de me proporcionar felicidades passageiras e de me colocar no mundo com toda a transparência e espontaneidade de que me nutro para ser eu mesma é ser vadia, então, desculpe-me, mas EU SOU UMA VADIA.
Ainda que tudo isso venha acompanhado com o respeito ao outro, aos acordos construídos dentro das relações, mesmo assim mulheres como eu são estigmatizadas, julgadas.
Indigna de ser amada
Sim, eu sou ‘fácil’. Sou ‘fácil, se isso significa não fazer joguinho, por exemplo. Quando eu quero, eu quero, e pronto. E isso não me impediu de construir amores e estabelecer relações monogâmicas, outro mito que se alardeia por aí, que descarta do destino das mulheres livres, o sonho do amor romântico, como se a mesma fosse indigna de ser amada.
Entretanto, infelizmente, o universo de possibilidades é mais limitado para as mulheres que se assumem livres, mas que, ainda assim, querem ser levadas a sério, com toda a humanidade que carregam e que tanto podem acrescentar ao mundo.
As possíveis consequências de ‘ser fácil’ no que diz respeito à sexualidade não me assustam nem me incomodam. Eu sei que não sou só esse rostinho bonito e esse corpinho gostoso.
O que me incomoda é ‘ser fácil’ na afetividade. É me entregar tão plenamente ao amor e correr o risco de não ser correspondida. É ter essa intensidade toda nas mãos, e não ter quem acompanhe meu ritmo. É ser quem eu sou, com todas as qualidades e defeitos, toda a complexidade que me envolve, e ser subjugada. Não ser admirada, não ser enxergada com a amplitude que mereço.

Meu fetiche é a reciprocidade
Gostaria de não desperdiçar tantas horas da minha sagrada (e cara) terapia com estratégias infalíveis para conter quem eu sou e não estragar as relações que me circundam.
Mas aí são minhas lutas internas, coisa de quem sabe a que veio, mas ainda não aprendeu a lidar com certas adversidades.
E se eu amasse menos, me entregasse menos, demonstrasse menos, seria mais feliz? Provavelmente não. Estaria correspondendo à tendência da moda pautada no desinteresse, mas não estaria sendo leal a mim mesma.
Se tem uma coisa que eu sou é interessada no universo alheio: quando me disponho a conhecer e a amar alguém, tudo me interessa, tudo me ajuda a respirar esse ar novo e luminoso que o amor inaugura em nossos pulmões.
Mas, além de interessada, sou interessante, então reciprocidade é esse fetiche delicioso que busco, ainda que desajeitadamente, nas multifacetadas formas de interagir.
Porque aqui o buraco é mais embaixo e mais em cima também. É pra todo lado, que eu não sou mulher de ficar sobre a corda bamba com medo de cair. Atravesso de olhos fechados e, se vier o chão, nele me espalho e me refaço, lúbrica e lúdica.
E em constante luta para ser lúcida o suficiente no exercício cotidiano das relações sociais e na laboriosa travessia que faço, todos os dias, dentro de mim mesma.
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