Uma ponte além do ódio
Você quer um mundo menos violento? Você quer um mundo menos corrupto? Você quer um mundo mais igualitário? A ´Nova Era não cairá do céu; ela só surgirá com uma mudança profunda em nossa consciência coletiva, iniciada dentro de nós.
Será que somos hábeis em não retrucar o ódio?
Nos anos 1990, cultivava-se uma esperança que o mundo passaria por um reset benigno que transmutaria nossa tendência coletiva a criar negatividade no mundo. E a partir dos anos 2000 iniciaria a era de ouro da humanidade, a Nova Era, um tempo de prosperidade, de elevadas atitudes humanas.
Eu e muitos outros interessados num possível futuro promissor, guardamos num cantinho escondido a esperança de vê-la manifestada neste planeta. Da memória da era prometida naquela época, avanço no tempo e me vejo em 2017.
Nos jornais, evidências poucas de uma Nova Era e várias de um era de intensificação do mais do mesmo: a polarização ampliou-se, criando valas entre nossas diferenças e poucas pontes; o discurso de ódio saiu do armário ou proliferou-se; guerras, nações famintas, e corrupção escancarada ainda persistem; e no Brasil, além disso, a violência escalou de forma assustadora nas últimas décadas.

Conscientização das opressões sistêmicas
Claro que nem tudo é escuridão. Parece haver uma maior conscientização das opressões sistêmicas, tais como homofobia, transfobia, sexismo, racismo, e dos valores humanos no que diz respeito a grupos minoritários, além da presença de movimentos fortes de afirmação de seus direitos, e uma crescente expansão da urgente necessidade de tratar o planeta Terra e seus recursos de forma mais igualitária.
A plataforma de discursos talvez tenha se tornado mais democrática: as redes sociais se transformaram em palanques modernos, em que qualquer um pode entrar em cena e despejar seu pensamento bem ou mal construído.
Neste contexto, nos vemos desafiados a aprender onde se encontram as fronteiras da liberdade de expressão. Como tudo ainda é aprendizado, é comum nas redes sociais ver ataques deselegantes a alguém por defender o quase condenado Lula, ou por defender desesperadamente a volta dos militares, ou por ser a favor da política de Trump, ou por acreditar que o impeachment de Dilma não foi golpe, e por aí vai.
Todos estes exemplos têm algo em comum: seja no ataque ou na defesa, todos têm certeza do que é certo e errado, e se deixam levar pelas emoções. Não há espaço para realmente ouvir ou reavaliar crenças.
Será que somos capazes de escutar o outro quando, ao nosso ver, somos atacados de forma absurda, ignorante ou por vezes agressiva? Será que somos hábeis em não retrucar o ódio?
Um muro de intolerância cada vez mais alto
Somos todos um, uma humanidade, sabemos. Porém, muitas vezes, nossa individualidade fala mais forte e não conseguimos ir além dela. A individualidade e suas experiências de sobrevivência psicológica são importantes para o nosso crescimento e circulação na sociedade. Porém, elas por vezes constroem verdadeiras muralhas entre nós e o outro.
Enquanto não nos conectarmos no nível do coração e menos no nível mental, só perceberemos nossas diferenças e os muros crescerão.
Continuaremos a ver ressonâncias desta onda de divisão nos nossos relacionamentos afetivos, familiares, e coletivamente manifestados em catástrofes humanas, como guerras e genocídios.
Como transformar este muro em uma ponte?
A ponte entre nós não pode ser imposta. Difícil experienciar uma abertura ao outro quando estamos grudados a nossas crenças, a um senso de rígida moralidade, e a emoções de medo e de raiva.
É preciso encontrar em não um desejo de cultivar uma prática silenciosa, honesta e determinada de encontrar clareza, e discernimento em si. E experienciar por completo nossas emoções sem projetá-las.
Experienciar nossa vergonha, nosso medo, nossa raiva, nossa revolta, sem automaticamente transformá-las em ação, jogando-as pra fora de nós no bode expiatório do momento: petralhas, coxinhas, judeus, negros, brancos ricos, corporações…
A mudança começa por você
É importante também estar apto a vivenciar destemidamente nosso lado luminoso: a capacidade de escuta, de compreensão, de compaixão, etc., e invocar a luz do discernimento procurando informar-se através de diversas fontes para que os diferentes aspectos da verdade se apresentem.
E quando o receio de se ver só surgir, sem o apoio do grupo que compartilha seu pensamento ou forma de agir, é preciso acolher o medo da solidão e confiar no seu caminhar.
Talvez estas ações ofereçam pequenas aberturas a um encontro entre nós em nossas diferenças. No momento em que realmente nos encontrarmos neste sentido talvez sejamos capazes de reconstruir dinâmicas de energia de convivência sem recriarmos as mesmas misérias.
A Nova Era, mesmo que ainda possível, não cairá do céu. Só poderá surgir através de uma mudança profunda em nossa consciência a nível coletivo. E o coletivo, começa dentro de nós.
Você quer um mundo menos violento? Você quer um mundo menos corrupto? Você quer um mundo mais igualitário?
Gandhi já nos lembrava desta árdua tarefa: “Seja a mudança que você quer ver no mundo”.
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