“Uma vez um grafite me disse”, de Victor H. Azevedo
Uma vez um grafite me disse que o amanhã
Morava dentro do peito. Mas não sei se o amanhã
Nasce desse claustro. Também não sei do comportamento
Que o amanhã haveria de ter dentro das válvulas
Cardiovasculares, mas acredito que seja semelhante
Ao de um touro numa loja de porcelanas. Chego a pensar
Que talvez o amanhã resida na radioativa vizinhança do césio,
Mas não tenho muita certeza disso nem daquilo.
Talvez não existam dias solares exatos dentro do peito
Dos cães, dos girassóis e nem dos relógios.
Tem certas vezes que ouço um rumorejar contínuo de máquinas
Vindo do firmamento, mas ainda assim não acredito
Que Deus seja um matemático. O amanhã não caberia
Num poliedro. E por mais estapafúrdio que pareça,
Pensar nesse grafite me faz lembrar que beija-flores
Também namoram no asfalto. Mas, mesmo assim
O amanhã não calharia no asfalto, ou nos beija-flores.
Acho que estou racionalizando demais. Tentando soar coerente
À essa metafísica. E por falar nisso amanhã
Tenho que acordar cedo pra te visitar.
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